Ícone, século VI, Monastério de Santa Catarina no Sinai.

O Cristianismo é que “Deus se fez o que nós somos, para nos fazer o que ele é” (Santo Irineu); é que o Céu se tornou terra, a fim de que a terra se torne Céu.

Cristo retraça no mundo exterior e histórico o que acontece, desde o começo do tempo, no mundo interior da alma. No homem, o Espírito puro se faz ego, a fim de que o ego se torne puro Espírito; o Espírito ou o Intelecto (Intellectus, não mens ou ratio) se faz ego encarnando-se na mente sob a forma de intelecção, de verdade, e o ego torna-se Espírito ou Intelecto unindo-se a ele.

O Cristianismo é assim uma doutrina de união, ou a doutrina da união: o Princípio se une à manifestação, a fim de que esta se una ao Princípio; de onde o simbolismo do amor e a predominância da via “bháktica”. Deus tornou-se homem “por causa de seu imenso amor” (Santo Irineu), e o homem deve se unir a Deus também pelo “amor”, seja qual for o sentido – volitivo, emotivo ou intelectivo – que se dê a este termo. “Deus é Amor”: ele é – enquanto Trindade – União e ele quer a União.

Agora, qual é o conteúdo do Espírito, ou, dito de outro modo, qual é a mensagem de Cristo? Pois o que a mensagem de Cristo é, é também, em nosso microcosmo, o conteúdo eterno do Intelecto. Essa mensagem ou esse conteúdo é: ama Deus com todas as tuas faculdades e, em função desse amor, ama o próximo como a ti mesmo; ou seja: une-te – pois “amar” é essencialmente “unir-se” – ao Intelecto e, em função ou como condição dessa união, abandona todo o egocentrismo e discerne o Intelecto, o Espírito, o Si divino, em todas as coisas. “Pois tudo o que tiverdes feito a um desses meus irmãos mais pequeninos, a Mim é que o fizestes.”

Essa mensagem – ou essa verdade inata – do Espírito prefigura a cruz, pois há aqui duas dimensões, uma “vertical” e outra “horizontal”, a saber, o amor a Deus e o ao próximo, ou a União ao Espírito e a união à nossa ambiência, considerada, esta, como manifestação do Espírito. De um ponto de vista um pouco diferente, essas duas dimensões são representadas respectivamente pelo conhecimento e pelo amor: “conhece-se” Deus e “ama-se” o próximo, ou ainda: ama-se Deus conhecendo-o, e conhece-se o próximo amando-o.

Mas o sentido mais profundo da mensagem crística, ou da verdade conatural ao Intelecto, é que a manifestação não é senão o Princípio; e é essa a mensagem do Princípio à manifestação.

Na prática, toda a questão é saber como se unir ao Logos ou ao Intelecto. O meio central é a “prece”, cuja quintessência é objetivamente o Nome de Deus e subjetivamente a concentração, de onde a obrigação de invocar Deus com fervor. Mas essa “prece”, essa união de todo o nosso ser a seu princípio ou a sua fonte divina, permaneceria ilusória sem uma certa união a nossa totalidade, o “próximo” universal do qual somos como um fragmento ou uma parcela; a cisão entre o homem e Deus não poderia ser abolida sem que seja abolida a cisão entre “mim” e “o outro”; nós não podemos reconhecer que Deus é em nós sem ver que ele é no outro, e como ele é no outro. A manifestação deve se unir ao Princípio, e – no plano da manifestação e em função dessa união “vertical” – a parte deve se unir à totalidade.

Interiormente, se queremos compreender que a alma inteligente é “essencialmente” – não em sua acidentalidade – o Intelecto ou o Espírito, devemos compreender também que o ego, incluindo o corpo, é “essencialmente” uma manifestação do Intelecto ou do Si. Se queremos entender que “o mundo é falso, Brahma é verdadeiro”, devemos entender também que “tudo é Atmâ”. É esse o sentido mais profundo do amor ao próximo.

Os sofrimentos de Cristo são os do Intelecto em meio às paixões. A coroa de espinhos é o individualismo, o “orgulho”; a cruz, é o esquecimento ou a rejeição do Espírito e, com ele, da Verdade. A Virgem é a alma submetida ao Espírito e unida a ele.

A própria forma do ensinamento de Cristo se explica pelo fato de que Cristo se dirigiu a todos os homens, do primeiro ao último; ele não podia portanto dar à sua mensagem um modo de expressão inacessível a certas inteligências e ineficaz ou mesmo prejudicial para elas. Um Shankara pôde ensinar a pura gnose porque ele não se dirigiu a todos e podia não fazê-lo, a tradição hindu existindo antes dele e comportando a priori vias adaptadas às inteligências modestas e aos temperamentos passionais. Mas Cristo, enquanto fundador de um universo espiritual e social, não podia não se dirigir a todos.

Se é falso censurar a Cristo não ter ensinado explicitamente a pura gnose – que ele no entanto ensinou por sua vinda, por sua pessoa, sua vida e sua morte, bem como por suas parábolas, seus gestos e seus milagres –, é igualmente falso negar o sentido gnóstico de sua mensagem e negar assim aos contemplativos intelectivos – ou seja, centrados na verdade metafísica e na pura contemplação ou na Inteligência pura e direta – o direito à existência e não lhes oferecer nenhuma via em conformidade com sua natureza e sua vocação. Isso é contrário à parábola dos talentos, e à afirmação de que “há muitas moradas na casa de meu Pai”.

Todo o Cristianismo se enuncia na doutrina trinitária, e esta representa essencialmente uma perspectiva de união; ela considera a união já in divinis: Deus prefigura em sua própria natureza as relações entre ele e o mundo, relações que, de resto, só são “externas” em modo ilusório.

“E a Luz luziu nas trevas, e as trevas não a compreenderam”: esta verdade se realizou – e se realiza – no seio mesmo do Cristianismo, pela incompreensão e rejeição da gnose. E é isso que explica em parte o destino do mundo ocidental.

Frithjof Schuon