Frithjof Schuon

e a mensagem da Filosofia Perene

O real e o bem coincidem

Rosácea norte da Catedral de Chartres. (Foto: Eusebios/Wikimedia)

O “Sumo Bem” é a Causa primeira enquanto esta se revela pelos fenômenos que, precisamente, chamamos de “bens”; o que quer dizer que o real e o bem coincidem. São, com efeito, os fenômenos positivos que manifestam o Real supremo; não são os fenômenos negativos, privativos ou subversivos, os quais seriam manifestações do nada “se ele existisse”, e que o são sob um certo aspecto indireto e paradoxal, no sentido de que o nada corresponde a um objetivo irrealizável, mas que, não obstante, tende a se realizar. O mal é a “possibilidade do impossível”, sem a qual o Infinito não seria o Infinito; perguntar por que a Onipossibilidade engloba a possibilidade de sua própria negação – possibilidade sempre encetada de novo, mas jamais actualizada plenamente – equivale a perguntar por que a Existência é a Existência, ou por que o Ser é o Ser.

Portanto, se chamamos o Princípio supremo de Bem, Agathón, ou se dizemos que é o Sumo Bem que é o Absoluto, e portanto o Infinito, não é porque limitamos paradoxalmente o Real, mas é porque sabemos que todo bem deriva dele e o manifesta essencialmente, portanto revela sua natureza. Por certo, pode-se dizer que a Divindade está “além do bem e do mal”, mas com a condição de acrescentar que esse “além” é por sua vez um “bem”, no sentido de que ele se refere a uma Essência na qual não pode haver uma sombra de limitação ou de privação, e que, por consequência, não pode ser senão o Bem absoluto ou a Plenitude absoluta; o que pode ser talvez difícil de exprimir, mas não impossível de conceber.

A diversidade dos bens manifestados no mundo tem evidentemente sua fonte numa diversidade principial e arquetípica cuja raiz se situa no próprio Princípio supremo; trata-se aí, não somente das qualidades divinas, de que derivam nossas virtudes, mas também – sob um outro aspecto – dos aspectos da Personalidade divina, de que derivam nossas faculdades.

Schuon, Resumo de Metafísica Integral, inédito em português. Original: Résumé de Métaphysique Intégrale, Le Courrier du Livre, Paris, 1985, pp. 14-15.

A oração é a porta estreita

O que é o mundo, senão um escoamento de formas, e o que é a vida, senão uma taça que, aparentemente, se esvazia entre duas noites? E o que é a oração, senão o único ponto estável — feito de paz e de luz — neste universo de sonho, e a porta estreita que leva a tudo o que o mundo e a vida buscaram em vão?

O mundo, em sua totalidade, é beleza

A santa e mestra espiritual hindu Ma Anandamayi (1896-1982).

A beleza, mesmo a de um simples objeto, de uma flor modesta ou de um floco de neve, sugere todo um mundo; ela liberta, enquanto a feiura enquanto tal aprisiona; dizemos “enquanto tal” porque compensações podem sempre neutralizá-la, assim como, inversamente, a beleza pode, na prática, perder todo o seu fascínio. Em condições normais, a beleza evoca ao mesmo tempo a ilimitação e o equilíbrio de possibilidades concordantes; ela evoca assim o Infinito, e portanto, de uma maneira mais imediatamente tangível, a nobreza e a generosidade que dele derivam: a nobreza que desdenha e a generosidade que prodigaliza. Não há na beleza enquanto tal nada de mesquinho; não há nela nem agitação, nem avareza, nem nenhuma crispação de algum tipo.

Gnose Cristã

Ícone, século VI, Monastério de Santa Catarina no Sinai.

O Cristianismo é que “Deus se fez o que nós somos, para nos fazer o que ele é” (Santo Irineu); é que o Céu se tornou terra, a fim de que a terra se torne Céu.

Cristo retraça no mundo exterior e histórico o que acontece, desde o começo do tempo, no mundo interior da alma. No homem, o Espírito puro se faz ego, a fim de que o ego se torne puro Espírito; o Espírito ou o Intelecto (Intellectus, não mens ou ratio) se faz ego encarnando-se na mente sob a forma de intelecção, de verdade, e o ego torna-se Espírito ou Intelecto unindo-se a ele.

Subir uma montanha deveria ser um ato espiritual

Índio sioux em oração. (Foto de Edward S. Curtis, 1907)

Para os homens da idade de ouro, subir uma montanha era realmente se aproximar do Princípio; olhar para um rio era ver ao mesmo tempo a Possibilidade universal e o escoamento das formas.

Em nossos dias, subir uma montanha — e não há mais nenhuma que seja “centro do mundo”! — é “vencer” seu cume; a ascensão não é mais um ato espiritual, mas uma profanação. O homem, em seu aspecto de animal humano, se faz Deus. As portas do Céu, misteriosamente presentes na natureza, se fecham diante dele.

Schuon, Perspectives spirituelles et faits humains, Les Cahiers du Sud, 1953, p. 59.

O objetivo da religião é salvar muitas almas

O santo Padre Pio (1887-1968).

Podemos nos espantar e mesmo nos escandalizar com a frequência, em ambiente religioso, de opiniões e atitudes mais ou menos ininteligentes, que se diga sem eufemismo; a causa indireta do fenômeno é que a religião, cujo objetivo é salvar o maior número possível, e não satisfazer as necessidades de explicação de uma elite intelectual, não tem motivo para se dirigir diretamente à inteligência propriamente dita. Em conformidade com sua finalidade e com a capacidade da maioria, a mensagem religiosa dirige-se globalmente à intuição, ao sentimento e à imaginação, depois à vontade, e à razão na medida em que a condição humana o exige; ela informa os homens sobre a realidade de Deus, a imortalidade da alma e as consequências que daí decorrem para o homem, e ela oferece a este os meios para se salvar. Ela não é, não quer ser e não pode ser e oferecer outra coisa, ao menos explicitamente; pois, implicitamente, ela oferece tudo.

Schuon, Résumé de métaphysique intégrale, Le Courrier du Livre, 1985, p. 81.

A vida sobrenatural é centrípeta, mas dilata

Antiga imagem, possivelmente da Áustria ou da Baviera.

Há que distinguir entre a vida natural, que é centrífuga, e a vida sobrenatural, que é centrípeta; a primeira afasta a alma de Deus e a mergulha no mundo, enquanto a segunda afasta a alma do mundo e a reconduz a Deus. A vida natural ou centrífuga comporta um efeito de dispersão e outro de compressão: o profano ou o mundano por um lado se perde na multiplicidade das coisas e por outro lado se endurece em seus apegos passionais. A vida sobrenatural, ao contrário, comporta um efeito de dilatação e outro de concentração: o homem espiritual por um lado se dilata em direção do que é interior e por outro lado se une ao Único, uma coisa sendo função da outra.

Schuon, La conscience de l’Absolu, Hozhoni, 2016, p. 15.

Há no homem duas subjetividades

Para o espírito, o ego empírito é só um invólucro. Pintura de Schuon.

Há no homem dois sujeitos — ou duas subjetividades — sem medida comum e de tendências opostas, ainda que haja também coincidência sob certo aspecto. Por um lado, há a anima ou o ego empírico, que é tecido de contingências tanto subjetivas, como as lembranças e os desejos, quanto objetivas; por outro lado, há o spiritus ou a inteligência pura, cuja subjetividade está enraizada no Absoluto e que, por este fato, não vê no ego empírico senão um invólucro, portanto algo de exterior e de alheio ao verdadeiro “eu mesmo”, ou antes ao “Si mesmo” ao mesmo tempo transcendente e imanente.

Schuon, Forme et substance dans les religions, éd. L’Harmattan, 2012, p. 257.

O homem nobre vive o símbolo sempre como algo novo

O senhor tem razão, a impressão que se tem aqui é de um conto de Natal: em toda parte a neve pura e celeste, e um silêncio solene; isso me transporta de volta a minha infância, quando o inverno era para mim uma espécie de experiência sobrenatural. Essa solidão da neve que agora nos rodeia é de novo uma mensagem do mistério da “paz” e, portanto, também de uma serena sublimidade (serenitas), de libertação espiritual; não deixa de ter sentido que em alemão as palavras “paz” [Friede] e “liberdade” [Freiheit] soem de forma semelhante, e também “alegria” [Freude]; o que me leva a pensar na deusa Freia — não é à toa que esta palavra significa “mulher” [Frau], a Suprema Realidade feminino-divina da felicidade, do amor, da beleza e da fertilidade; o que corresponde à Lakshmî hindu. Em termos islâmicos, poder-se-ia dizer que o mistério da expansão, da expiração, do peito, portanto da inshirâh, surge como resultado do salâm; ou do islâm, quando se entende esta palavra em seu sentido primordial. Várias vezes já me referi a isto.

Nós somos possibilidades divinas projetadas na noite da existência

O Sol, não sendo Deus, deve prostrar-se todas as noites diante do Trono de Allâh; é o que se diz no Islã. Da mesma forma: Mâyâ, não sendo Atmâ, só pode se afirmar de forma intermitente; os mundos jorram da Palavra divina e voltam a ela.

A instabilidade é o preço da contingência; levantar a questão de por que haverá um fim do mundo e uma ressurreição equivale a perguntar por que uma fase respiratória se detém num momento preciso para ser seguida pela fase inversa, ou por que uma onda se retira da margem após a ter submergido, ou, ainda, por que as gotas de um jato d’água caem por terra.

Nós somos possibilidades divinas projetadas na noite da existência, e diversificadas por causa dessa própria projeção, como a água se dispersa em gotas quando é lançada no vazio e, também, como ela se cristaliza quando é tomada pelo frio.


Schuon, O Homem no Universo, “Nos rastros de Mâyâ“, Ed. Perspectiva, São Paulo, 2001, p. 132.

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