Frithjof Schuon (foto de 1985).

Frithjof Schuon (1907 – 1998), metafísico e mestre espiritual de origem alemã, foi o mais eminente representante contemporâneo da escola de pensamento perenialista ou tradicionalista, cujos outros principais representantes foram René Guénon, Titus Burckhardt e Ananda Coomaraswamy.

Schuon foi o autor de mais de vinte obras em francês sobre metafísica, espiritualidade, o fenômeno religioso, antropologia e arte, obras essas que foram traduzidas em muitos idiomas, incluindo o português. Também foi pintor e poeta.

Com Guénon, Coomaraswamy e Burckhardt, Schuon afirmou a realidade de um Princípio absoluto, Deus, do qual emana o universo, e sustentou que todas as revelações divinas, apesar de suas diferenças, têm uma essência comum: uma e mesma Verdade. Também compartilhou com eles a certeza de que o homem é potencialmente capaz de um conhecimento suprarracional, e empreendeu uma sólida crítica da mentalidade moderna, separada como é de suas raízes tradicionais. Na esteira de Platão, Plotino, Adi Shankara, Mestre Echkart, Ibn Arabî e outros grandes metafísicos, Schuon afirmou a unidade metafísica entre o Princípio e sua manifestação.

Iniciado pela cheikh Ahmad Al-Alawî na ordem súfi Shâdhilî, fundou a Tarîqa Maryamiyya. Seu ensinamento enfatiza fortemente a universalidade da doutrina metafísica, junto com a necessidade de praticar uma religião, somente uma; também insiste na importância das virtudes e da beleza.

Schuon cultivou relações estreitas com um grande número de personagens de diversos horizontes religiosos e espirituais. Tinha um interesse particular nas tradições dos índios das pradarias da América do Norte, mantendo sólidas amizades com vários de seus líderes e tendo sido adotado tanto pela tribo Lakota Sioux como pela tribo Crow. Depois de passar grande parte de usa vida na França e na Suíça, emigrou aos 73 anos para os Estados Unidos.

Frithjof Schuon com seu pai, sua mãe e seu irmão.

Basilea, Suíça (1907-1920)

Frithjof Schuon nasceu na Basileia, na zona de fala alemã da Suíça, no dia 18 de junho de 1907. Foi o filho mais novo de Paul Schuon, de origem alemã, e de Margarete Boehler, alsaciana de fala francesa. Seu pai, um homem afável e distinto, era violinista clássico, e em sua casa estava presente não só a música, mas também a cultura literária e espiritual. Os Schuon, ainda que católicos, inscreveram seus filhos no catecismo luterano, denominação predominante na Basileia.

Na escola primária, Schuon conheceu o futuro metafísico e especialista em arte Titus Burckhardt, que continuou seu amigo até o fim da vida. Desde os dez anos, a busca de Schuon pela verdade o levou a ler não só a Bíblia, mas também os Upanishads, a Bhagavad-Gîtâ e o Alcorão, bem como Platão, Émerson, Goethe e Schiller. Schuon diria mais tarde que desde bem jovem quatro coisas sempre o tinham comovido profundamente: “O sagrado, o grande, o belo e a inocência da infância.”

Frithjof Schuon (esq.), com a mãe e o irmão.

Mulhouse e Paris (1920-1940)

Em 1920 seu pai faleceu. Sua mãe decidiu voltar com os filhos pequenos para a sua família, em Mulhouse, na França, onde Schuon, como consequência do Tratado de Versalhes, tornou-se cidadão francês. Um ano depois, aos 14 anos de idade, foi batizado como católico. Em 1923, seu irmão ingressou num monastério trapista e Schuon deixou a escola para manter a família, encontrando trabalho como desenhista têxtil.

Logo mergulhou no mundo da Bhagavad Gîtâ e do Vedânta; este chamado do Hinduísmo o sustentou durante dez anos, ainda que estivesse totalmente consciente de que ele próprio não poderia se tornar hindu. Em 1924, enquanto ainda vivia em Mulhouse, descobriu as obras do filósofo francês René Guénon, que serviram para confirmar suas intuições intelectuais e apoiar sua já iniciada descoberta dos princípios metafísicos. Schuon diria mais tarde, de Guénon, que este era “o teórico profundo e poderoso de tudo o que [eu] amava.”

Schuon en Paris.

Em 1930, depois de 18 meses de serviço militar no exército francês passados em Besançon, Schuon estabeleceu-se em Paris. Ali, retomou sua profissão de desenhista têxtil e começou a estudar árabe na escola da mesquita local. Viver em Paris também lhe deu a oportunidade de estar exposto a diversas formas de arte tradicional num grau muito maior, especialmente às artes da Ásia, com as quais desde sua infância tinha tido profunda afinidade.

No final de 1932, completou seu primeiro livro, Leitgedanken zur Urbesinnung (“Ideias Diretivas para a Meditação Primordial”), que seria publicado em 1935 e logo seria traduzido para o inglês com o título Primordial Meditation: Contemplating the Real. Seu desejo de deixar o Ocidente, cujos valores modernos eram tão contrários a sua natureza, junto com seu crescente interesse pelo Islã, o levou a ir a Marselha, o grande porto de saída para o Oriente. Ali, conheceu dois personagens-chave, ambos discípulos do cheikh Ahmad Al-Alawî, um mestre súfi de Mostaganem, Argélia. Schuon viu nestes encontros um sinal de seu destino e embarcou para aquele país. Em Mostaganem, ingressou no Islã e passou quatro meses na zâwiya do cheikh, o qual lhe deu a iniciação e o nome de ‘Îsâ Nûr ad-Dîn (Jesus, Luz da Religião). Contudo, sob pressão das autoridades coloniais francesas, Schuon logo se viu obrigado a voltar para a Europa.

Schuon não considerou sua afiliação ao Islã como uma conversão, já que não repudiou o Cristianismo; em cada revelação, ele via a expressão de uma única e mesma verdade, sob diferentes formas. O Cristianismo, contudo, já não oferecia a possibilidade de seguir um caminho esotérico sob a direção de um mestre espiritual. Por outro lado, no Sufismo, o coração do Islã, este caminho, centrado na metafísica e na prática invocatória (dhikr), continuava disponível.

Uma noite de julho de 1934, enquanto estava mergulhado na leitura da Bhagavad-Gîtâ, Schuon vivenciou um acontecimento espiritual extraordinário: o Nome divino Allâh tomou posse de seu ser, e durante três dias ele não pôde fazer outra coisa senão invocá-lo incessantemente. Pouco depois, foi informado de que seu cheikh tinha falecido no dia em que esta graça tinha descido sobre ele.

Em 1935, Schuon voltou à zâwiya de Mostaganem, onde o Cheikh Adda bin Túnis, sucessor do Cheikh Al-Alawî, lhe conferiu a função de muqaddam, autorizando-o assim a iniciar aspirantes à confraria Alawî. Ao retornar à Europa, Schuon fundou uma zâwiya na Basileia, outra em Lausanne e uma terceira em Amiens. Retomou também sua profissão de desenhista têxtil, na Alsácia, durante os quatro anos seguintes.

Uma noite no final de 1936, depois de uma experiência espiritual, Schuon sentiu, sem a menor dúvida, que tinha sido investido com a função de mestre espiritual, de cheikh. Isto foi confirmado por sonhos visionários que vários de seus discípulos tiveram naquela mesma noite. As diferenças de perspectiva entre Schuon e a zâwiya de Mostaganem levaram, gradualmente, Schuon a assumir sua independência, com o apoio de Guénon.

René Guénon e Frithjof Schuon no Cairo.

Em 1938, Schuon viajou para o Egito, onde conheceu pessoalmente Guénon, com quem tinha mantido correspondência por sete anos. Em 1939, embarcou para a Índia com dois discípulos, fazendo uma longa escala no Cairo, onde voltou a ver Guénon. Pouco de pois de chegar a Bombaim, irrompeu a Segunda Guerra Mundial, o que o obrigou a retornar à Europa. Servindo no exército francês, foi feito prisioneiro pelos nazistas, que planejavam incorporar todos os soldados de origem alsaciana no exército alemão, para lutarem no fronte russo. Schuon escapou para a Suíça, que seria então seu lar por quarenta anos.

Lausanne, Suíça (1941-1980)

Instalou-se em Lausanne, onde continuou a colaborar para a revista guénoniana Études Traditionnelles, como tinha feito desde 1933. Em 1947, após ler Black Elk Speaks (“Alce Negro Fala”), de John G. Neihardt, Schuon, que tinha sempre tido um profundo interesse pelos índios norte-americanos, convenceu-se de que Alce Negro sabia muito mais sobre a tradição Sioux do que estava contido no livro. Pediu então a seus amigos norte-americanos que procurassem o velho chefe. Em consequência, o etnólogo Joseph Epes Brown recolheu de Alce Negro a descrição dos sete ritos Sioux que compõe o livro The Sacred Pipe (“O Cachimbo Sagrado”).

Em 1948, Schuon publicou seu primeiro livro em francês, De l’Unité transcendante des religions (“Da Unidade Transcendente das Religiões”). Desta obra, T.S. Elliot, prêmio Nobel de literatura, escreveu: “Nunca encontrei uma obra mais impressionante no estudo comparativo das religiões orientais e ocidentais”. Todas as suas obras posteriores, mais de vinte, foram escritas em francês, com exceção de uma importante re-elaboração em alemão do texto de A Unidade Transcendente das Religiões (Von der Inneren Einheit der Religionen), publicada em 1982.

Catherine e F. Schuon.

Em 1949, Schuon se casou com Catherine Feer, uma suíça-alemã de educação francesa que, além de estar profundamente interessada na religião e na metafísica, também era uma talentosa pintora. Pouco depois de seu matrimônio, Schuon recebeu a cidadania suíça. Sem deixar de escrever, Schuon viajou muito, acompanhado da esposa. Entre 1950 e 1975, o casal visitou o Marrocos cerca de dez vezes, e também foi a muitos países europeus, entre eles a Grécia e a Turquia, onde visitaram a casa próxima a Éfeso que a tradição diz ter sido a última casa da Virgem Maria.

Com sua esposa e os Yellowtail.

No inverno de 1953, Schuon e sua esposa viajaram para Paris para assistir às representações organizadas por um grupo de dançarinos Crow. Formaram laços de amizade com Thomas Yellowtail, futuro medicine man (expressão que significa “curandeiro”, mas também líder espiritual, “xamã”) e líder da Dança do Sol. Cinco anos mais tarde, os Schuon visitaram a Exposição Universal de Bruxelas, onde 60 índios Sioux faziam apresentações sobre o tema “Velho Oeste”. Também nesta ocasião, novas amizades se formaram. Foi assim que em 1959 e, depois, em 1963, a convite de seus amigos índios, os Schuon viajaram para o Oeste americano, onde visitaram várias tribos da pradarias e tiveram a oportunidade de presenciar muitos aspectos de suas tradições sagradas. Durante a primeira dessas visitas, Schuon e sua esposa foram adotados pela família do chefe Sioux James Red Cloud (“James Nuvem Vermelha”), neto do famoso chefe Nuvem Vermelha, e, algumas semanas depois, num festival índio em Sheridan, no Wyoming, foram recebidos oficialmente na tribo Sioux. Os escritos de Schuon sobre os ritos centrais da religião dos índios norte-americanos e suas pinturas sobre temas de sua vida dão fé de sua particular afinidade com esse universo espiritual.

Schuon estabeleceu laços com pessoas de diferentes tradições: René Guénon, Ananda Coomaraswamy, Titus Burckhardt, Martin Lings, Seyyed Hossein Nasr, William Stoddart, Léo Schaya, Jean Borella, Marco Pallis, Joseph Epes Brown, Michel Vâlsan, Jean-Louis Michon; muitos deles se tornaram seus discípulos. Ele também manteve correspondência com Alce Negro, manteve relações com Swami Ramdas, com o metropolitano Antoine Bloom de Souroge, com o 68º Shankaracharya de Kanchipuram, o archimandrita Sophrony, Shin’ichi Hisamatsu e outros dignitários do budismo japonês e tibetano. A obra de Schuon também influenciou vários pesquisadores e acadêmicos, que a expuseram publicamente, como Huston Smith, conhecido professor dos EUA, que escreveria o prefácio da tradução inglesa de A Unidade Transcendente das Religiões, o australiano Harry Oldmeadow, o francês Patrick Laude e muitos outros.

A década de 1970 viu a publicação de três importantes obras compostas por artigos previamente publicados na revista francesa Études Traditionnelles. Estas obras são as seguintes:

  • Lógica e Transcendência (inédita em português), na qual o autor examina a filosofia moderna, as provas de Deus, a Substância universal, o emanacionismo e o criacionismo, o intelecto e o sentimento, as qualificações para a via espiritual, o amor de Deus, a realização espiritual, o mestre espiritual, a beleza da inteligência, a certeza;
  • Forma e Substância nas Religiões: Verdade e Presença divinas, as religiões, Âtmâ e Mâyâ, os graus de realidade, esclarecimentos sobre o Alcorão e o Profeta, a Virgem Maria, as virtudes e as mulheres no Budismo, as duas naturezas de Cristo, o mal e a Vontade divina, textos sagrados, a dialética espiritual, o paraíso e o inferno;
  • O Esoterismo como Princípio e como Caminho: exoterismo e esoterismo, o véu universal, as dimensões hipostáticas do Princípio, a Árvore da Vida, a natureza humana, as virtudes, o sentimento, a sinceridade, a sexualidade, as provas, a realização espiritual, a beleza, a arte, a importância das formas, as relíquias, as aparições celestes, a Dança do Sol, a interioridade espiritual no Sufismo.

Ao longo de sua vida, Schuon teve grande respeito e devoção pela Virgem Maria, algo que expressou em seus escritos. Como resultado, seus ensinamentos e suas pinturas estão imbuídos de uma presença mariana particular. Em 1965, Schuon vivenciou em dois momentos uma graça mariana especial. Por isso deu o nome Maryammiyya (“Mariana”, em árabe) para a tarîqa súfi que ele tinha fundou como ramo da ordem Shadhiliyyah-Darqawiyyah-Alawiyyah.

Em Bloomington.

Bloomington, Indiana, EUA (1980-1998)

Em 1980, Schuon e sua esposa emigraram para os Estados Unidos, instalando-se em Bloomington, no estado de Indiana, onde já existia uma grande comunidade de seus discípulos. Os primeiros anos em Bloomington viram a publicação de uma série de obras importantes: Do Divino ao Humano, Ter um Centro, Resumo de Metafísica Integral, Raízes da Condição Humana e outras.

Segundo o professor francês Patrick Laude, Schuon se estabeleceu — através de seus numerosos livros, artigos e cartas — “como o principal porta-voz da corrente intelectual a que às vezes se faz referência nos países de fala inglesa como ‘perenialismo'”, também conhecida como “escola tradicionalista”. Durante seus anos em Lausanne e Bloomington, ele recebeu regularmente visitas de “praticantes e representantes de diversas religiões”.

Thomas Yellowtail continuou sendo amigo íntimo de Schuon até sua morte em 1993, visitando-o todos os anos e adotando-o na tribo Crow em 1984. Durante essas estadas, Yellowtail compartilhou com os Schuon e alguns de seus seguidores cantos e danças de seu povo em reuniões que foram chamadas de “Dias Índios” e nas quais se celebrava a cultura espiritual dos índios das pradarias. Estas reuniões não faziam parte do método espiritual, centrado na oração islâmica e no dhikr.

Schuon continuou recebendo visitantes e mantendo correspondência com seguidores, acadêmicos e leitores. Durante os últimos três anos de sua vida, escreveu mais de três mil poemas nos quais se entrelaçam doutrina e conselho espiritual, bem como percepções da beleza na natureza como teofania e nas manifestações culturais dos diversos povos do Oriente e do Ocidente. Como os poemas de sua juventude, estes foram escritos em alemão, após curtas séries escritas em árabe e inglês.

Schuon faleceu em 5 de maio de 1998.


Do verbete da Wikipedia inglesa sobre Frithjof Schuon, com edições.