Frithjof Schuon faleceu em maio de 1998, algumas semanas antes de seu 91º aniversário. Para os amigos e seguidores desta grande alma, o mundo de repente ficava vazio.

Durante os últimos três anos de sua vida, Schuon escreveu aproximadamente 3.500 poemas curtos em sua língua nativa, o alemão. Uma seleção desses poemas foi logo publicada pela editora Herder, de Freiburg-im-Breisgau, em quatro belos volumes intitulados Glück, Leben, Sinn e Liebe (Felicidade, Vida, Sentido e Amor), cada um contendo 85 poemas.

Posteriormente, a editora suíça Les Sept Flèches iniciou a publicação da obra integral numa edição bilíngue em alemão e francês, terminada recentemente com o lançamento do décimo volume.

Em termos de conteúdo, os poemas alemães de Frithjof Schuon são similares aos de sua coleção inglesa Road to the Heart (World Wisdom Books, Bloomington, Indiana, EUA, 1995), mas eles são muito mais numerosos, e o conjunto de imagens, muito mais rico e poderoso. Os poemas abrangem todo aspecto possível da doutrina metafísica, do método espiritual, das virtudes espirituais e do papel e função da beleza. Eles exprimem toda subtileza concebível de conselhos espirituais e morais — e isto não apenas em termos gerais, mas com excepcionais intimidade, detalhe e precisão. Eles exibem incrível agudeza, profundidade, abrangência e compaixão.

Alguns poemas são autobiográficos, com reminiscências de lugares em que Schuon viveu ou que ele visitou: Basileia e Paris, as ruas de contos de fadas de velhas cidades alemãs, o Marrocos e a Andaluzia, a Turquia e a Grécia, o Oeste norte-americano. Outros evocam o gênio de certos povos, como os hindus, os japoneses, os árabes, os peles-vermelhas, e também os cossacos e os ciganos. Outros ainda elucidam o papel da música, da dança e da própria poesia. Em um ou dois poemas, o mundo moderno ateu é o tema de um comentário mordaz e por vezes duramente jocoso:

Ein weltlich Fest: Lampenkristalle schimmern
Im großen Saal —
Und glänzende Gesellschaft, Damen, Herrn,
Sitzen beim Mahl.

Man spricht von allem und man spricht von nichts —
Der Wein ist rot,
Und so der blumenshmuck. Doch keiner, keiner
Denkt an den Tod.

Uma festa mundana: esplendem os lustres
No palacete —
O brilho da sociedade, pessoas ilustres,
Aguarda o banquete.

De tudo se fala e se fala de nada —
Vermelho é o vinho
E os arranjos de flor. Mas nem um, nem um presente
Pensa na morte.

Os poemas incorporam tanto a severidade como a compaixão. Eles são poderosamente interiorizantes. O autor demonstra repetidamente o elo entre a verdade, a oração, a virtude e a beleza. Para ele, são estas as quatro coisas necessárias; elas são a razão de ser da vida, a única fonte de felicidade, e o meio essencial da salvação. Elas são a panacéia, o remédio para todos os males:

Warum hat Gott die Sprache uns geschenkt?
Für das Gebet.
Weil Gottes Segen dem, der Ihm vertraut,
Ins Herze geht.

Ein beten ist der allererste Schrei
In diesem Leben.
So ist der letzte Hauch ein Hoffnungswort —
von Gott gegeben.

Was ist der Stoff, aus dem der Mensch gemacht,
Sein tiefstes Ich?
Es ist das Wort, das uns das Heil gewärt:
Herr, höre mich!

Por que Deus nos deu o dom da fala?
Para a oração.
Pois a quem confia, a graça penetra
No coração.

É uma prece nosso primeiro grito
Nesta vida.
E o suspiro último, voz de esperança —
Por Deus concedida.

Qual é a substância de que é feito o homem,
Seu mais profundo eu?
É aquela palavra que nos dá a salvação:
Me escuta, Deus meu!

Jedes Geschöpf ist da, um “Gott” zu sagen;
So musst auch du der Welt Berufung tragen,
O Mensch, der du der Erde König bist —
Weh dem, der seines Daseins Kern vergisst;

Dies tut nicht Tier noch Pflanze, ja kein Stein;
Dies tut der willensfreie Mensch allein
In seinem Wahn. Spricht “Gott” in deinem Wandern;
Es werde eine Gnade für die Andern.

Denn eine Aura strahlt vom Höchste Namen —
Gebet ist Segen, ist der Gottheit Samen.

Toda criatura existe pra dizer “Deus”;
Assim também tu tens de aceitar a vocação do mundo,
Tu, homem, que és o rei da criação —
Ai de quem esquece o cerne profundo de sua existência.

Isto não ocorre com plantas, pedras, animais,
Só com o homem, que tem o livre-arbítrio,
Quando cede à ilusão. Diz “Deus” em teu caminho;
Será talvez uma graça para outros.

Pois do Nome Supremo irradia-se uma aura —
A prece é uma benção, é a semente da Divindade.

Mas as terríveis consequëncias de uma escolha errada não são esquecidas:

In Indien, sagt man oft, dass Japa-Yoga
Stets segen bringe — dass das Râma-Mantra
Ein Wundermittel sei, das helfen müsse.
Dem ist nicht so, denn zürnen kann Shrî Râma.

Na India diz-se muito que o Japa-Yoga
Traz sempre bênçãos — que o Râma-Mantra
É um meio milagroso, que só pode ajudar.
Não é bem assim, pois pode se irar Shrî Râma.

Und Gottes Zorn — er war zuvor schon da;
Denn Gottes Nein begleitet Gottes Ja.
Ihr fragt: war Gott zuerst nicht reine Milde?
Des Zornes Möglichkeit war auch im Bilde.

E a ira divina — já estava ali;
Pois o Não de Deus acompanha o Sim.
Tu perguntas: não é Deus sobretudo bondade?
A ira também é uma possibilidade.

Das Gottgedenken muss den Menschen ändern,
Denn zum Beleuchten gibt die Lampe Licht;
Wenn unsre Seele nicht verbessert wird,
Dann zählt das Sprechen frommer Formeln nicht.

Lass ab von falscher Größe — werde klein
Und selbstlos, und du wirst im Himmel sein.

A lembrança de Deus deveria mudar o homem,
Pois a lâmpada dá luz para iluminar;
Se nossa alma não se torna melhor,
É inútil a repetição de fórmulas piedosas.

Não busques a falsa grandeza — faz-te pequeno
E não-egoísta, e estarás no Céu.

Nenhuma tradução pode fazer justiça total à “poesia” — à métrica, à rima, à propriedade verbal, às alusões, à música, à inspiração — do original alemão. Cada poema alemão é um diamante — claro e cintilante, uma obra-prima arquitetural cheia de luz.

Em sua rica profusão de referências às muitas e diversas formas culturais da Europa e de outras terras — as ruas de Paris, as plazuelas andaluzes, a Macarena, a Virgen del Pilar, autores favoritos como Dante, Shankara, Pitágoras e Platão, os Salmos de Davi, a sabedoria árabe, as graças dos Bodhisattvas, as rodas de oração tibetanas, os samurai e o Shintô, as canções de amor e de esperança de muitos povos — em todas essas diversas culturas, Schuon captura a mensagem intemporal de verdade e beleza que cada uma contém, e a torna presente da maneira mais prazerosa. Quando ocorre de essas formas culturais serem as mesmas que o próprio leitor conheceu e amou, é grande a alegria resultante.

O longo ciclo de poemas de Schuon já foi comparado ao Mathnâwî, de Rumi. Penso que muitos de seus poemas podem também ser comparados aos Salmos de Davi: eles são uma expressão de nostalgia, do anseio da humanidade pelo Senhor, e de sua suprema satisfação n’Ele. Seu tema principal é a prece confiante a um Deus sempre misericordioso, e a benevolência para com os homens de boa vontade. Acima de tudo, os poemas são meios de instrução. Como tais, constituem um poderoso impulso para a dimensão interior.

Há uma bênção não apenas na qualidade dos poemas, mas também em sua quantidade — eles constituem uma totalidade oniabrangente. Por um lado, a grande obra poética de Schuon recapitula os ensinamentos contidos em seus trabalhos filosóficos em francês; por outro lado, é uma fonte inesgotável e purificadora — uma expressão cristalina e viva da Religio Perennis. Ela resume a verdade, a beleza e a salvação.

(Texto de William Stoddart)