Frequentemente interpretou-se de forma equivocada a prova ontológica de Deus — formulada por Santo Agostinho e desenvolvida por Santo Anselmo —, e isso desde a Idade Média.
Na realidade, ela não significa que Deus é real porque pode-se concebê-lo, mas, ao contrário, que pode-se concebê-lo porque ele é real: ou seja, que a realidade de Deus tem por efeito, para nossa faculdade intelectiva, a certeza em relação a ela e, para nossa faculdade racional, a possibilidade de conceber o Absoluto.
E é precisamente esta possibilidade da razão — e a fortiori a intuição pré-racional do intelecto — que constitui a prerrogativa característica do homem.
Na crítica da prova ontológica de Deus, o erro consiste em não ver que imaginar um objeto qualquer não é de forma nenhuma a mesma coisa que conceber o absoluto, ou o Absoluto em si; pois o que importa aqui não é o jogo subjetivo de nossa mente, mas, essencialmente, o Objeto absoluto que a determina e que mesmo constitui, em última análise, a razão de ser da inteligência humana. Sem um Deus real, não há homem possível.
Schuon, Avoir un Centre, Maisonneuve & Larose, 1988, pp. 61-62. Edição brasileira: Ter um Centro, Polar, 2018, pp. 81-82.
Nota do editor
Um possível sumário da formulação do argumento ontológico de Santo Anselmo à qual se dirige a crítica de Schuon reproduzida acima:
1) É uma verdade conceitual (ou, por assim dizer, é verdadeiro por definição) que Deus é um ser em relação ao qual nenhum ser maior pode ser imaginado (ou seja, o maior ser possível que se pode imaginar).
2) Deus existe na mente como uma ideia.
3) Um ser que existe na mente e na realidade é, todas as outras coisas sendo iguais, maior do que um ser que existe somente como uma ideia na mente.
4) Portanto, se Deus existe só como uma ideia na mente, podemos imaginar algo que seja maior do que Deus (isto é, o maior ser possível que exista).
5) Mas não podemos imaginar algo que seja maior do que Deus (pois é uma contradição supor que possamos imaginar um ser maior do que o maior ser possível que se possa imaginar).
6) Portanto, Deus existe.
[Fonte: Wikipédia em inglês, verbete “Ontological argument”.]