Monge ortodoxo.

“Pai nosso que estais nos céus”: a explicitação “nos céus” indica a transcendência em relação ao estado terrestre, este considerado, em primeiro lugar, do ponto de vista objetivo e macrocósmico e, depois, do ponto de vista subjetivo e microcósmico. Com efeito, a “terra” ou o “mundo” pode ser não só a ambiência na qual vivemos e que nos determina, mas também nossa alma individual e mais ou menos sensorial, assim como os “céus” podem ser não só os mundos paradisíacos, mas também nossas virtualidades espirituais; pois “o reino de Deus está dentro de vós”.

“Santificado seja o vosso nome”: este verbo “santificar” é quase sinônimo de “adorar” e, por consequência, de “orar” ou de “invocar”. Adorar Deus é ter consciência de sua transcendência — portanto, de sua primazia absoluta no plano humano —, e ter essa consciência é pensar sempre nele, em conformidade com a parábola do juiz iníquo e com a injunção da Epístola [1].

E isto é crucial: “E quanto a ti, quando orares, entra no teu quarto e, com a porta fechada, ora a teu Pai que está no segredo”; segundo os hesicastas, esse quarto é o coração, do qual é preciso fechar a porta que dá para o mundo, o que é bem característico da mensagem cristã. Mensagem de interioridade contemplativa e de amor sacrificial, precisamente; a interioridade sendo como que a consequência, esotérica em diversos graus, da perspectiva de amor [2].

“Venha a nós o vosso reino”: se a santificação do Nome divino se refere à oração do homem, a chegada do Reino divino se refere à resposta de Deus; o que podemos parafrasear assim: “Que vosso Nome seja pronunciado santamente, a fim de que vossa Graça desça sobre nós”.

Poder-se-ia dizer também que a primeira das duas sentenças refere-se à transcendência, e a segunda, à imanência; com efeito, o “reino de Deus” estando “dentro de vós”, nossa primeira preocupação deverá ser a de atingi-lo ali onde ele nos é mais imediatamente acessível, pois, além de nos ser impossível realizá-lo hic et nunc [3] no mundo exterior, toda obra válida e santa deve começar em nós mesmos, independemente do resultado exterior. E não é por acaso que a sentença do Reino vem depois da da santificação do Nome; a dimensão unitiva pressupõe, com efeito, a dimensão devocional; o mistério de transcendência deve preceder e introduzir o de imanência.

[1] “E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, enquanto ele se mostra paciente para com eles? Eu vos digo que ele lhes fará justiça prontamente” (Lucas, 18: 7,8). “Orai sem cessar” (sine intermissione) (Tessalonissences, 5:17).
[2] A injunção para não “pronunciar palavras vãs” reforça também esta analogia; as “palavras vãs” ou “múltiplas” indicam a exterioridade, que pode aliás ser interpretada em diferentes níveis.
[3] Expressão latina que significa “aqui e agora”. [Nota do editor.]


Schuon, Avoir un Centre, Maisonneuve & Larose, Paris, 1988, pp. 115-116.
Grifos do editor deste website. Tradução feita direto do original especialmente para esta nota.
O livro foi publicado em português: Ter um Centro, editora Polar, 2018, pp. 152-153.