Se a moral muçulmana difere da cristã — e não é de forma nenhuma o caso no que diz respeito à Guerra Santa, nem à escravidão, mas unicamente no que tange à poligamia e ao divórcio [*] —, é porque ela está ligada a um outro aspecto da Verdade total: o Cristianismo, aliás como o Budismo, só leva em conta na sexualidade o lado carnal, portanto substancial ou quantitativo; o Islã, ao contrário, como o Judaísmo e as tradições hindu e chinesa — não falamos de certas vias espirituais que rejeitam o amor sexual por razões de método —, leva em conta, na sexualidade, o lado essencial ou qualitativo, poderíamos dizer “cósmico”, e, de fato, a santificação da sexualidade confere a ela uma qualidade que supera seu caráter carnal e o neutraliza, ou em certos casos até mesmo o abole, como no das Cassandras e Sibilas da Antiguidade ou no do Shrî Chakra tântrico, e enfim no dos grandes espirituais, entre os quais convém citar Salomão e Mohammed.
Em outros termos, a sexualidade pode ter tanto um aspecto de impureza como um de nobreza; há aí tanto um sentido horizontal como um vertical, para falar em simbolismo geométrico; (…) esta nobreza da sexualidade deriva de seu Protótipo divino, pois “Deus é Amor”; em termos islâmicos, dir-se-á que “Deus é Unidade”, e que o amor, sendo um modo de união (tawhîd), é por isso uma conformidade à Natureza divina. O amor pode santificar a carne, como a carne pode aviltar o amor; o Islã insiste na primeira dessas verdades, enquanto o Cristianismo insistirá de preferência na segunda, com exceção, está claro, do sacramento do casamento, no qual ele necessariamente, e de certa forma secundariamente, reencontra a perspectiva judaico-islâmica.
[*] A poligamia era necessária, nos povos do Oriente Médio — que são povos guerreiros —, a fim de que todas as mulheres pudessem ter sua subsistência, os homens sendo dizimados pelas guerras; a isso se juntava ainda a grande mortalidade infantil, de forma que a poligamia se impunha mesmo para a conservação da raça. Quanto ao divórcio, ele era, e é, necessário pela inevitável separação dos sexos, que faz com que os cônjuges não se conheçam, ou se conheçam pouco, antes do casamento, e essa separação, por sua vez, é condicionada pelo temperamento sensual dos Árabes, e dos povos meridionais em geral. O que acabamos de dizer explica o uso do véu pelas muçulmanas, e também o purdah das Hindus de casta alta; o fato de o véu só ser usado na forma tradicional mais tardia, o Islã, e de, por outro lado, o purdah só ter sido instituído no Hinduísmo tardiamente, mostra bem, aliás, que essas medidas só se explicam pelas condições particulares do fim da “idade do ferro”; é em razão dessas mesmas condições que as mulheres foram excluídas de certos ritos bramânicos aos quais elas tinham acesso primitivamente.
Frithjof Schuon, De l’unité transcendante des religions [Da Unidade Transcendente das Religiões], Éditions du Seuil, Paris, 1979, pp. 141-142. Este livro foi publicado originalmente em 1948.