“Não são as ações que importam em primeiro lugar, são as intenções, nos diz tanto a sabedoria tradicional quanto o senso comum; muito bem, mas é evidente que isso não poderia significar, como alguns imaginam, que se possa desculpar toda ação imperfeita, ou mesmo má, supondo que a intenção foi boa ou mesmo alegando que toda intenção é boa no fundo, unicamente por ser subjetiva e, segundo alguns, a subjetividade ter sempre razão.”

“É equivocadamente que Pascal atribui aos jesuítas a ideia de que ‘o fim santifica os meios’ — citamos a versão que se tornou proverbial —, pois, de fato, eles tinham tido o cuidado de especificar: com a condição de que os meios não sejam intrinsecamente viciosos; se esta reserva não fosse suficiente, não haveria legítima defesa possível.”

“Uma intenção pode ser boa sob um aspecto e má sob outro: ela é boa enquanto ela manifesta, por exemplo, um sentimento religioso e ela é má enquanto o faz de uma maneira que, rigorosamente falando, é incompatível com a religião, a santidade, a dignidade. Manifestar uma mentalidade falsa, tola ou perversa é evidentemente querer fazê-lo; é identificar-se com essa mentalidade, e sob este aspecto a intenção não poderia ser boa.”

“O intencionismo e o sincerismo vão de par; o primeiro tem em comum com o segundo o fato de que corre em socorro de tudo o que é censurável, quer seja extravagante e pernicioso ou simplesmente medíocre e vulgar; em suma, ser ‘sincero’ é se mostrar ‘tal como se é’, incondicionalmente e cinicamente, portanto de encontro a todo esforço de ser o que se deveria ser. Esquece-se que a sinceridade só tem valor por seu conteúdo, e que é caridoso evitar dar um mal exemplo; o indivíduo deve à sociedade um comportamento correto, para dizer o mínimo, o que não tem nada a ver com o vício de dissimulação.”

“Ser sincero e, por consequência, ter uma boa intenção significa, entre outras coisas, que se se dá ao trabalho de refletir e também, eventualmente, de se informar, sobretudo se se trata de uma matéria grave; não se pode, alegando boa intenção, justificar o erro de alguém que julga e conclui sem se servir de sua inteligência e que não se importa com o que pensam ou sabem os outros, mesmo que sejam melhores que ele.”

“É natural que um povo, ou um grande grupo humano qualquer, possa ser traumatizado sem que seja o caso de o censurar por isso; e é também totalmente natural que isso não comprometa todo indivíduo. Uma alma coletiva é passiva, e ela o é forçosamente, pois não poderia ter nem uma inteligência homogênea, nem um querer livre e preciso que desta resulte; maior razão para não se deixar dominar por um psiquismo coletivo e não lhe dar poder. Passiva, a coletividade pode, não obstante, ser o veículo de uma boa disposição, em função de sua saúde mental e moral combinada com a tradição; vox populi, vox Dei.”

Extratos do brilhante ensaio “Da Intenção”, de Schuon. Para lê-lo na íntegra em pdf, clique aqui.