É importante saber […] que há verdades que são inerentes ao espírito humano, mas que, de fato, estão como que enterradas no “fundo do coração”, isto é, contidas a título de potencialidades ou virtualidades no Intelecto puro: trata-se das verdades principiais e arquetípicas, aquelas que prefiguram e determinam todas as outras. A elas têm acesso, intuitiva e infalivelmente, o “gnóstico”, o “pneumático”, o “teósofo” — no sentido próprio e original desses termos —, e a elas tinha acesso, por consequência, o “filósofo”, segundo o significado ainda literal e inocente do termo: um Pitágoras ou um Platão, e em parte mesmo um Aristóteles, a despeito de sua perspectiva exteriorizante e virtualmente cientificista.
E isto é de primeira importância: se não houvesse o Intelecto puro — a faculdade intuitiva e infalível do Espírito imanente —, também não haveria a razão, pois o milagre da raciocinação só se explica e só se justifica pelo da intelecção. Os animais não têm a razão porque são incapazes de conceber o Absoluto; em outras palavras, se o homem possui a razão, e com ela a linguagem, é unicamente porque ele tem acesso, em princípio, à visão suprarracional do Real e, por consequência, à certeza metafísica. A inteligência do animal é parcial, a do homem é total; e esta totalidade só se explica por uma realidade transcendente à qual a inteligência é proporcional.
Assim, o erro decisivo do materialismo e do agnosticismo é o de não ver que as coisas materiais e as experiências correntes de nossa vida estão imensamente abaixo da envergadura de nossa inteligência. Se os materialistas tivessem razão, essa inteligência seria um luxo inexplicável; sem o Absoluto, a capacidade de concebê-lo não teria causa. A verdade do Absoluto coincide com a própria substância de nosso espírito; as diversas religiões actualizam [*] objetivamente o que nossa subjetividade mais profunda contém. A revelação é no macrocosmo o que a intelecção é no microcosmo; o Transcendente é imanente ao mundo, caso contrário este não poderia existir, e o Imanente é transcendente em relação ao indivíduo, caso contrário Ele não o superaria.
[*] No sentido original do termo, de passagem da potência ao ato, de “ativação”. (N. do T.)
Frithjof Schuon, Nos Caminhos da Religião Perene, livro publicado neste website, capítulo “Premissas epistemológicas”.