Alguns moralistas muito profanos que preferem o homem a Deus, isso quando não substituem Deus pelo homem, espantam-se ou indignam-se com a indiferença que os santos, tanto ocidentais como orientais, por vezes pareceram manifestar em relação às desgraças humanas do mundo em que eles viviam.
Ora, há para essa atitude uma dupla razão: em primeiro lugar, muitas desgraças no corpo de um mundo tradicional devem ser vistas como “males menores”, ou seja, como canais necessários de calamidades em si inevitáveis, mas suscetíveis de serem reduzidas a um mínimo; esse é um ponto de vista que os modernos nunca compreenderam, pois eles nem mesmo sabem que há no cosmo coisas que não poderiam ser evitadas a nenhum custo, e cuja supressão aparente e artificial só engendra reações cósmicas tanto mais “avassaladoras”.
Em segundo lugar, a indiferença dos espirituais em relação a essas contingências se explica por sua vontade de chegar ao mal menor em sua raiz, e de ajudar o mundo, não dissipando as energias em esforços fragmentários e acima de tudo ilusórios, mas retornando diretamente à própria fonte do Bem.
Os abusos que se encontram em todas as civilizações antigas são, frequentemente, mais ou menos inevitáveis, porque o mal, estando implicado na própria Existência, é inerente a todas as coisas e não tem como não se manifestar aí de uma ou de outra maneira; esses abusos — por exemplo, os que estão incrustados no sistema de castas hindu — seriam evidentemente suscetíveis de serem eliminados — e fatos assim já se produziram —, mas com a condição de que se parta do interior ou do conteúdo espiritual da civilização em questão.
Isso pressuporia, contudo, na maior parte dos casos, um retorno da própria coletividade a essa fonte viva; tratar-se-ia, portanto, nas condições cíclicas presentes, de voltar pura e simplesmente à idade de ouro, o que, infelizmente, é uma impossibilidade.
Frithjof Schuon, L’Oeil du Coeur [O Olho do Coração], Dervy-Livres, Paris, 1974, p. 108.
Ilustração: miniatura persa retratando Alexandre Magno supervisionando a construção de um muro para conter Gog e Magog. Século 16. Fonte: clique aqui.