Dizem-nos que, em vez de aliviar a miséria, é preciso ensinar aos homens a sair dela; ora, este aspecto da caridade é extremamente limitado, pois as causas da miséria podem estar na carência de técnicas; elas também podem estar na incapacidade de lidar com o dinheiro, ou até mesmo na preguiça; o que quer dizer que elas são tanto materiais como morais.

De resto, o sentido da palavra “miséria” é muito relativo, pois, nos dias de hoje, chama-se assim a situações econômicas sem dúvida primitivas, mas em si totalmente normais e satisfatórias, e isso é feito com a pouco caridosa segunda intenção de encontrar novos escoadouros para produtos industriais; criam-se necessidades a fim de encontrar compradores, e, para encontrá-los, é preciso, por um lado, fazer com que os pobres reais ou fictícios acreditem que a não-satisfação dessas necessidades é miséria, e, por outro lado, ensinar-lhes como fazer para ganhar dinheiro. O que está muito longe da caridade, sejam quais forem a fraseologia e os eufemismos; e está também muito longe, num grande número de casos, da eficácia e do bem concreto.

Frithjof Schuon,“Observações sobre a caridade”, in Le Jeu des Masques [O Jogo das Máscaras], l’Age d’Homme, Lausanne, 1992, pp. 101-102.


Nota do editor: publico aqui este extrato porque nos lembra algo que, embora muitos já saibam, é frequentemente esquecido e pode ter um impacto na vida espiritual: que uma preocupação com “sair da miséria” ou com “tirar outros da miséria” pode ser, quando as condições são na realidade “normais e satisfatórias”, um obstáculo a lembrar-se da “única coisa necessária”.