Dizem-nos que, em vez de aliviar a miséria, é preciso ensinar aos homens a sair dela; ora, este aspecto da caridade é extremamente limitado, pois as causas da miséria podem estar na carência de técnicas; elas também podem estar na incapacidade de lidar com o dinheiro, ou até mesmo na preguiça; o que quer dizer que elas são tanto materiais como morais.
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Um traço essencial que distingue o homem do animal é que o homem sabe que deve morrer, enquanto o animal não o sabe. Ora, esse saber da morte é uma prova de imortalidade; é somente porque o homem é imortal que suas faculdades lhe permitem constatar sua impermanência terrestre. Quem diz consciência da morte, diz fenômeno religioso; e explicitemos que esse fenômeno faz parte da ecologia no sentido total do termo, pois sem religião — ou sem religião autêntica — uma coletividade humana não poderia sobreviver muito tempo; ou seja, ela não poderia continuar sendo humana.
Frithjof Schuon, “Prerrogativas do estado humano”, in Le Jeu des Masques [O Jogo das Máscaras], l’Age d’Homme, Lausanne, 1992, pp. 23-24
Em nossos dias, louva-se a “objetividade” de um homem que afirma calmamente e friamente que dois mais dois são cinco, e acusa-se de subjetividade ou de emotividade o homem que replica com indignação que dois mais dois são quatro; não se quer admitir que a objetividade é a adequação ao objeto, e não tal ou qual modo de expressão; que o critério da objetividade é a realidade, não o tom, nem a mímica; nem, sobretudo, uma placidez fictícia, inumana e insolente.
A pobreza é não se apegar, na existência, nem ao sujeito nem ao objeto. Fala-se muito das ilusões sutis e das seduções que desviam o peregrino espiritual da via reta e provocam sua queda. Ora, essas ilusões só podem seduzir aquele que deseja alguma vantagem para si, como poderes ou dignidades ou glória, ou que deseja gozos interiores ou visões celestes ou vozes, e assim por diante, ou um conhecimento tangível dos mistérios divinos.
É natural e plausível que toda aspiração elevada exija uma qualificação correspondente, na própria medida em que ela incita o homem a se superar. A aptidão espiritual proporcional à gnose exige, para ser completa, não somente uma qualificação intelectual, que é a capacidade de discernimento, de penetração e de aprofundamento, mas também uma qualificação moral, que é a tendência à interiorização e que implica as virtudes fundamentais.
No esoterismo concreto, o dos Sufis, por exemplo, não constatamos em parte alguma uma predominância da exigência intelectual sobre a exigência moral, muito ao contrário: a contemplatividade interiorizante acompanhada das virtudes tem, em média, mais peso do que a inteligência discriminativa.
O sagrado é a presença do centro na periferia, do imutável no movimento; a dignidade é essencialmente uma expressão do sagrado, pois também na dignidade o centro se manifesta no exterior; o coração transparece nos gestos. O sagrado introduz nas relatividades uma qualidade de absoluto, ele confere a coisas perecíveis uma textura de eternidade.
Frithjof Schuon, Pérolas do Peregrino.
Que sejamos conformes a Deus — “feitos à sua imagem” — é certo, sem o que nós não existiríamos. Que sejamos contrários a Deus é também certo, sem o que nós não seríamos diferentes.
Sem analogia com Deus, nós não seríamos nada. Sem oposição a Deus, nós seríamos Deus.
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Alguns moralistas muito profanos que preferem o homem a Deus, isso quando não substituem Deus pelo homem, espantam-se ou indignam-se com a indiferença que os santos, tanto ocidentais como orientais, por vezes pareceram manifestar em relação às desgraças humanas do mundo em que eles viviam.
Ora, há para essa atitude uma dupla razão: em primeiro lugar, muitas desgraças no corpo de um mundo tradicional devem ser vistas como “males menores”, ou seja, como canais necessários de calamidades em si inevitáveis, mas suscetíveis de serem reduzidas a um mínimo; esse é um ponto de vista que os modernos nunca compreenderam, pois eles nem mesmo sabem que há no cosmo coisas que não poderiam ser evitadas a nenhum custo, e cuja supressão aparente e artificial só engendra reações cósmicas tanto mais “avassaladoras”.
Por um lado, é preciso resignar-se àquilo que se é e, por outro lado, é preciso fazer de si mesmo um lugar da Presença divina. Todo eu pode em princípio ser um veículo do Si, e assim libertar-se, numa medida suficiente, da contingência.
O caminho para Deus implica sempre uma inversão: da exterioridade é preciso passar à interioridade, da multiplicidade à unidade, da dispersão à concentração, do egoísmo ao desapego, da paixão à serenidade.
Frithjof Schuon, Pérolas do Peregrino.