Rigorosamente falando, há uma só filosofia, a Sophia Perennis; ela é também — considerada em sua integralidade — a única religião. A Sophia tem duas origens possíveis, uma intemporal e uma temporal: a primeira é “vertical” e descontínua, e a segunda, “horizontal” e contínua; dito de outro modo, a primeira é como a chuva que pode descer do céu a todo momento; a segunda é como um ribeiro que brota de uma fonte.
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Há almas que, plena ou suficientemente conformes à vocação humana, entram diretamente no Paraíso: são quer os santos, quer os santificados. No primeiro caso, são as grandes almas iluminadas pelo Sol divino e dispensadoras de raios benfazejos; no segundo caso, são as almas que, não tendo nem defeitos de caráter, nem tendências mundanas, estão livres — ou foram libertadas — de pecados mortais, e santificadas pela ação sobrenatural de meios de graça de que elas fizeram seu viático. Entre os santos e os santificados há sem dúvida possibilidades intermediárias, mas só Deus é juiz de sua posição e de seu nível.
Todas as vezes que o homem se põe diante de Deus com um coração íntegro — ou seja, pobre e sem se inflar —, ele se coloca no solo da certeza absoluta, a de sua salvação condicional, bem como a de Deus. E é por isso que Deus nos deu essa chave sobrenatural que é a prece: a fim de que nós pudéssemos nos colocar diante d’Ele, como no estado primordial, e como sempre e em toda parte; ou como na eternidade.
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Assim como há um discernimento das realidades principiais, o qual se impõe a nós porque temos uma inteligência, da mesma forma há um discernimento das realidades formais — tanto morais quanto estéticas —, o qual se impõe porque temos uma alma. Isto quer dizer que a compreensão metafísica deve se acompanhar do senso da beleza em todos os níveis; inversamente, não há interiorização do belo sem um conhecimento metafísico paralelo. “A beleza é o esplendor do verdadeiro”: o que implica que a verdade, portanto a realidade, é a essência da beleza.
É possível que um homem tenha um desejo sincero de humildade — portanto de objetividade em relação a si mesmo — e realize em função disto um modo de humildade real, mas que ao mesmo tempo ele não suporte nenhuma humilhação, mesmo merecida ou leve; neste caso, a humildade se acha comprometida em maior ou menor medida por um elemento de orgulho, que se manifestará também por uma certa propensão a humilhar os outros, e isto nem que seja subestimando e interpretando desfavoravelmente algo que poderia ter uma interpretação favorável.
Todo homem ama estar à luz e ao ar fresco; ninguém gosta de estar preso numa torre sombria e sem ar; é assim que é preciso amar as virtudes, e é assim que é preciso detestar os vícios. Nenhum homem que pode desfrutar da luz e do ar pensaria em proclamar “o sol sou eu” ou “o céu sou eu”; amamos a ambiência da luz e do ar, e é por isso que entramos nela. É assim que é preciso entrar nas virtudes: porque elas se impõem por sua natureza e porque amamos sua ambiência.
No plano exterior e portanto contingente, mas que tem sua importância na ordem humana, a religio perennis está em relação com a natureza virgem e ao mesmo tempo com a nudez primordial, a nudez da criação, do nascimento, da ressurreição, ou a do grande sacerdote no Santo-dos-Santos, a do eremita no deserto, do sadhu ou sanyâsi hindu, a do pele-vermelha em prece silenciosa no alto de uma montanha.
A natureza inviolada é ao mesmo tempo um vestígio do Paraíso terrestre e uma prefiguração do Paraíso celeste; os santuários e os costumes diferem, mas a natureza virgem e o corpo humano permanecem fiéis à unidade primeira.
O homem primordial sabia por si mesmo que Deus existe; o homem caído não o sabe, é algo que ele tem que aprender. O homem primordial tinha sempre consciência de Deus; o homem caído, apesar de ter aprendido que Deus existe, deve se forçar a ter sempre consciência dele. O homem primordial amava Deus mais que o mundo; o homem caído ama o mundo mais que Deus, ele deve portanto praticar a renúncia.
Fala-se habitualmente do dever de se fazer útil à sociedade, mas se se omite de levantar a questão de saber se essa sociedade é útil, isto é, se ela realiza a razão de ser do homem e, portanto, de uma comunidade humana; evidentemente, se o indivíduo deve ser útil à coletividade, esta, por sua vez, deve ser útil ao indivíduo. A qualidade humana implica que a coletividade não poderia ser o objetivo e a razão de ser do indivíduo, mas que, ao contrário, é o indivíduo que, em sua posição solitária diante do Absoluto e, portanto, pela prática de sua função mais elevada, é o objetivo e a razão de ser da coletividade.
O Profeta disse: “Guardai-vos das suspeitas, pois o diabo quer causar discórdia entre vós”, ou algo do tipo. Nunca se deve ficar ruminando as coisas, nem que seja porque o ininteligível ou o absurdo faz parte da matéria da qual o mundo é feito. Em face de alguma dificuldade aparentemente insolúvel, há que se dizer a si mesmo: em primeiro lugar, toda coisa, todo acontecimento tem uma causa, quer a conheçamos ou não; o fato de não a conhecermos não deduz nada dela e nada lhe acrescenta. Em segundo lugar: esta causa é indiferente diante da verdade de que Deus é a Realidade; o que é, é, e o que não é, não é.