Desde a minha infância, sempre gostei muito dos museus, e pude passar horas assimilando visualmente as mensagens dos diversos mundos tradicionais. A assimilação visual, no meu caso, veio antes da assimilação conceitual; e não penso somente na arte sacra, penso também no artesanato, incluindo o mais modesto, pois acontece de ele veicular tanta espiritualidade quanto a arte sacra propriamente dita.
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A via espiritual engloba todos os acontecimentos da vida; não há nada que não esteja relacionado a ela de alguma maneira. As provações [*] da vida são, não perturbações desprovidas de sentido, mas aspectos quer de nós mesmos, quer da Realidade, portanto elementos necessários e inevitáveis da via. Para fazê-las dar frutos, é preciso aceitá-las como vindo da parte de Deus: com gratidão e louvor. É só assim que o homem pode esperar comprender o sentido da provação ou, quando se trata de uma situação aparentemente sem saída, esperar poder se livrar dela, se Deus quiser.
“Sentir uma doença é não mais tê-la”, dizia Lao-Tsé. O que quer dizer que o remédio contra um mal está na consciência que temos desse mal; o remédio é dado por essa própria consciência.
Antes de mais nada, quero lhe dizer duas coisas: em primeiro, que o senhor não tem nada a temer; e, em segundo, que a provação pela qual o senhor passou foi providencial; o que aconteceu com o senhor devia lhe acontecer, e isso para o seu bem. Pois o senhor tinha demasiada autoconfiança e, por esse fato, não tinha suficiente prudência; o senhor tinha demasiada curiosidade intelectual, sem ter suficiente fé; demasiado senso crítico, sem ter suficiente senso das proporções.
Conhecer, querer, amar: eis toda a natureza do homem e, por consequência, toda a sua vocação e todo o seu dever. Conhecer totalmente, querer livremente, amar nobremente; ou, em outros termos: conhecer o Absoluto, e ipso facto suas relações com o relativo; querer o que se impõe a nós em função desse conhecimento; e amar o verdadeiro e o bem, e o que os manifesta neste mundo; portanto amar o belo, que conduz a eles.
Um mundo é absurdo na medida em que o contemplativo, o eremita, o monge nele parecem ser um paradoxo ou um “anacronismo”. Ora, o monge é atual precisamente porque é intemporal: vivemos na época da idolatria do “tempo”, e o monge encarna tudo o que é imutável, não por esclerose ou por inércia, mas por transcendência.
Schuon, Regards sur les mondes anciens, Éditions Traditionnelles, 1980, p. 153.
Traduzido para esta nota direto do originall. O livro tem edição brasileira: O Homem no Universo, Perspectiva, 2001 (p. 172).
“Pai nosso que estais nos céus”: a explicitação “nos céus” indica a transcendência em relação ao estado terrestre, este considerado, em primeiro lugar, do ponto de vista objetivo e macrocósmico e, depois, do ponto de vista subjetivo e microcósmico. Com efeito, a “terra” ou o “mundo” pode ser não só a ambiência na qual vivemos e que nos determina, mas também nossa alma individual e mais ou menos sensorial, assim como os “céus” podem ser não só os mundos paradisíacos, mas também nossas virtualidades espirituais; pois “o reino de Deus está dentro de vós”.
Frequentemente interpretou-se de forma equivocada a prova ontológica de Deus — formulada por Santo Agostinho e desenvolvida por Santo Anselmo —, e isso desde a Idade Média.
Na realidade, ela não significa que Deus é real porque pode-se concebê-lo, mas, ao contrário, que pode-se concebê-lo porque ele é real: ou seja, que a realidade de Deus tem por efeito, para nossa faculdade intelectiva, a certeza em relação a ela e, para nossa faculdade racional, a possibilidade de conceber o Absoluto.
E é precisamente esta possibilidade da razão — e a fortiori a intuição pré-racional do intelecto — que constitui a prerrogativa característica do homem.
Na Idade Média, só há ainda dois ou três tipos de grandeza: o santo e o herói, e também o sábio — e então, numa escala menor e como por reflexo, o pontífice e o príncipe; o “gênio” e o “artista”, essas grandezas do universo laico, ainda não tinham nascido.
Os santos e os heróis são como aparições terrestres dos astros; após sua morte, eles voltam a subir ao firmamento, a seu lugar eterno; eles são quase que puros símbolos, sinais espirituais que só provisoriamente se destacaram da iconostase celeste na qual estavam incrustados desde a criação do mundo.
Frithjof Schuon, O Homem no Universo [Regards sur les Mondes Anciens], 2001, Perspectiva, p. 49.
Schuon, Adastra/Stella Maris, Le Sept Flèches, Suíça, 2001, p. 94.
Veja o poema original alemão ao final desta nota.
Muitos teólogos do Islã, e não dos menores, estimam que Deus quer o mal, porque, dizem eles, se Ele não o quisesse, o mal não aconteceria; pois, se Deus não quisesse o mal e o mal se produzisse apesar disso, Deus seria fraco ou impotente; ora, Deus é onipotente.